O Sapo Cultural

Sapo Cultural: substantivo masculino 1) Bronca ou sermão de conteúdo ou natureza cultural; 2) Discurso desnecessáriamente longo (e com freqüência desagradável) que tem como objetivo aumentar a cultura, mesmo a contragosto, dos ouvintes.

15 novembro 2007

Procurado (Wanted)

Recentemente fiquei sabendo que em abril de 2008 estreará nos cinemas brasileiros a adaptação da revista Procurado, estrelado por James McAvoy, Angelina Jolie e Morgan Freeman. Já existe até um trailer disponível no YouTube, o que significa que a produção está bastante adiantada. Já há algum tempo eu tinha vontade de escrever a respeito desta revista, e a produção desse filme parece a oportunidade certa.

WANTED - a revista

Procurado, escrita por Mark Millar e desenhada pelo talentoso JG Jones nos apresenta Wesley Gibson. Logo de cara, nosso protagonista se intitula "um dos mais insignificantes cuzões do século 21" - não sem antes nos apresentar, nas três primeiras páginas, exemplos bastantes convincentes que justificam essa alcunha. Wesley é um cara comum que odeia a sua vida. Até que um dia ele descobre que seu pai era, na verdade, um supervilão e começa a ser treinado pelos ex-colegas-de-papai a ser um cara do mal. É aquele velho clichê por trás de tantos filmes e contos de fadas - o(a) pobre camponês(a) que descobre sua herança como príncipe/princesa encantado(a) -, mas vitaminado por um monte de violência, palavrões, comentários politicamente-incorretos e humor negro que tanto fazem a alegria da galera.

É difícil não ter sua atenção atraida pelas cenas que Millar e Jones nos apresentam, mas a verdade é que a prodigalidade de violência e palavrões não tardam a se tornar cansativos. A necessidade de usar palavrões beira o absurdo, o que fica muito bem ilustrado na escolha criativa dos nomes de alguns personagens: Fuckwit (traduzido como "Miolo Fodido" na edição brasileira"), Sucker (porcamente traduzido como Parasito, mas que pode ser melhor traduzido como "chupador", ou ainda como "otário"), Shithead ("cabeça de merda") e Johnny Two-Dicks (Johnny "Duas-Picas"). Isso, somado à pobreza do roteiro - que basicamente pode ser resumido em "é possível resolver todos os meus problemas com um par de armas" -, talvez seja o suficiente para satifazer fãs da série Preacher - de fato o estilo das revistas é bastante parecido -, mas honestamente não me deixaram muito impressionado.

WANTED - o filme

Embora o próprio Mark Millar tenha afirmado, depois de visitar os sets de filmagem de Procurado, que "o primeiro ato é quase uma adaptação quadro a quadro dos primeiros números da revista, do diálogo às cenas", até onde eu pude ver no trailer e nas notícias a respeito da adaptação, o filme deve sair um bocado diferente da história em quadrinhos - como é o costume.

É perfeitamente esperado, claro. A revista é muito violenta, muito debochada e muito politicamente incorreta para Hollywood. Pelo que pude perceber, os roteiristas Michael Brandt e Derek Haas - responsáveis por pérolas como "+ Velozes + Furiosos" - tomaram várias liberdades artísticas, incluindo transformar a organização de super-criminosos psicopatas da revista em quadrinho em um grupo de semi-heróis-cruéis-mas-bem-intencionados, que "matam um para salvar mil". Outra diferença é a aparente ausência de monstros e criaturas super-poderosas. Talvez os produtores tenham preferido investir o dinheiro dos efeitos especiais no elenco. Ah, e os nomes mais criativos - aqueles ali em cima - foram retirados da história ou modificados, claro.
Mas, já que o material original não é lá grande coisa, quem sabe essas liberdades artísticas não sejam o que essa estória precisa para dar certo?

15 maio 2007

Frank Miller

Eu estava justamente pensando em postar um ensaio a respeito do velho louco Frank Miller, mas parece que a Mestra se adiantou e escreveu isso aqui antes. Não concordo com tudo o que ela disse, mas vou guardar meus comentários para a sessão de comentários.

Sabe, eu tive um insight sobre o Frank Miller que eu acho que esclarece (quase) tudo.

Enumere aí as obras famosas do cara: "Cavaleiro das Trevas", "300", "Sin City", o recente "All Star Batman & Robin" (note a ausência de Ano Um). Eu li todas essas - tá bom, tá bom, Sin City eu só li algumas -, e digo que, essencialmente, elas são todas iguais. Não, não, não venha dizer isso ou aquilo sobre como "300" é baseados em fatos históricos e sobre honra e glória, enquanto o "Cavaleiro" é uma obra povoada de elementos pop anos oitenta sobre um personagem absolutamente ficcional, e recriado por Miller. Tudo isso confere, mas só até certo ponto.

Na verdade, as histórias do Frank Miller (quase todas) não são sobre Leônidas, Marvin, Bruce, ou qualquer um desses caras. Não, não senhor. As histórias do Frank Miller são do Frank Miller, e é isso aí. Não importa muito o sujeito que está lá protagonizando aquele bafuá de violência e podridão que são os cenários do Frank Miller. Não importa o vilão perverso e ultra doentio da vez. Sequer importa em que século são passadas essas histórias. Não, nada disso importa, porque o Frank Miller só sabe escrever uma história e pronto (tá bom, tá bom, duas...!).

Pegue Cavaleiro das Trevas, essa "obra prima"; eu comprei a versão definitiva de Cavaleiro, que vem o 1 e o 2, e pude sentar e ler tudo de uma vez, e ler com calma, e ler a apresentação do Frank Miller... enfim, tive todo o tempo para examinar esse trabalho que será lembrado para sempre e que mudou não apenas os quadrinhos, mas teve mesmo um impacto em todas as mídias. Pois bem, a brilhante obra, se vocês querem saber, continua muito boa (parte um, veja bem). Divertida, emocionante, e o melhor ritmo que você pode encontrar em quadrinhos - isso o cara tem. Sabe, muitos autores tem problemas para contar histórias fortes e lineares, mas não o Frank Miller. Não, aí o cara é bom, e não se intimida.

Seja como for, com todos esses elogios, eu chego à segunda parte do Cavaleiro das Trevas. O retorno, a infame continuação. Todo mundo adora falar mal. Todo mundo reclama. Todo mundo diz que é porcaria. E é?

Mais ou menos. Sabe, eu teria cuidado em difamar essa revista, porque notei que, de certa forma, ela é uma continuação absolutamente plausível e razoável da primeira parte, com um enredo que, pensando bem, não é assim tão mais doido que o da primeira parte. Porque, realmente, a primeira parte tem uma história bem doidinha, e bem feita só para culminar no Batman batendo no Superman. Ah! E para o Coringa morrer mesmo. Basicamente isso. Porém, ainda mais fascinante é notar que, depois de ler muitas histórias épicas do Frank Miller, sim, são todas IGUAIS! No fim, o pobre do Batman, mesmo em Cavaleiro das Trevas, nada mais é do que um instrumento do Frank Miller para metaforizar o mundo dos anos oitenta e despencar seu ódio fascista - o que ele prosseguiu fazendo por agora vinte anos, com muito sucesso. "Cavaleiro das Trevas" é puro Frank Miller, atenuado aos nossos olhos pela figura implacável mas absolutamente cativante do Batman. Então, lemos "Cavaleiro das Trevas" por anos achando que era uma grande história do Batman, mas hoje, afinal, está claro para mim que não é uma história séria e adulta sobre um super-herói, mas sim uma história com um super-herói sobre um mundo sério, imundo, e corrupto. O Batman não é o dono da história, afinal. Ele poderia ser facilmente o Marv, ou o Hartigan, ou, forçando uma barra, até o Leônidas. Todos ali, difamando a corrupção, amaldiçoando os molódes do mundo, xingando a mídia mentirosa e burra. E dando um pau no Superman.

Porém, o status de ex-grande escritor de quadrinhos do Frank Miller ainda se mantém por ao menos uma obra: "Batman: Ano Um". Essa sim é uma boa revista. Sim, tem o viés Frank Miller, têm os tiras corruptos e o Gordon tem lá um jeito de Hartigan, mas... mas o Bruce Wayne é perfeito. A origem é perfeita, o Batman é mesmo o herói dessa história. Ele faz e acontece, e, no fim, até consegue mudar o mundo um pouquinho (pra melhor!). O Batman é mesmo mostrado como um herói, com sensibilidade, senso de justiça, enfim, melhor que um explorador de menores rabugento que faz do mundo seu campo de batalhas pessoal. Muito bom.

Enfim, esse foi meu insight. Devo dizer que eu não li a fase do "Daredevil" do Frank Miller, então não sei se faria parte da exceção (Ano Um), ou da regra (mundo cão e protagonistas violentos e duros). Se algum de vocês tiver lido, me conte.
Escrito por
Mestra
Editado e postado por Sgt. Pimenta

04 abril 2007

300

Os 300 de Esparta, Sim City, Frank Miller e o cinema...

Todo mundo sabe que 300, superprodução digital que estreou no Brasil nessa última sexta feira, é baseada na Graphic Novel homônima (mas que no Brasil foi renomeada "Os 300 de Esparta") do superestimado Frank Miller. Todo mundo sabe que ambos, o filme e os quadrinhos, contam a estória do Rei Leônidas de Esparta, que liderou 300 homens num combate suicida contra um exercido milhares de vezes maior do que o seu. Todo mundo sabe tudo a respeito do filme, antes mesmo de entrar na sala de projeção.
Deixe-me colocar desta forma: não que o filme seja ruim - longe disso -, mas ele certamente não é um filme inovador.
Um dos pontos fortes do filme é, com toda certeza, o gráfico. É um filme belíssimo. Cada cena parece ter sido pintada, de forma que, mesmo que você não tenha lido a revista - eu mesmo ainda não a li - é impossível que você não veja que aquilo pulando, gritando e respingando sangue na tela é uma cena diretamente tirada de uma revista em quadrinho! De fato, 300 é um filme que coroa esta boa fase pela qual o casamento das HQs e o cinema estão passando.
[Um detalhe muito curioso nessa história: o próprio Miller, quando escreveu a Graphic Novel nos anos 90, se baseou em um outro filme, de 1962: Os 300 de Esparta.]
Mas, eu já disse antes e mantenho: o filme não é perfeito. Não é só em termos visuais que esse filme é pouco original. O roteiro é divertido, mas parece apenas mais uma história de Frank Miller: a história de um herói, viril-porém-com-um-bom-coração, que luta bravamente uma luta inglória que ele não tem muitas chances de vencer, e faz a coisa correta sem se importar com as conseqüências... [Agora, releia esse páragrafo e substitua pelo seu herói favorito: Leônidas, Marv, Dwight, Hartigan, Batman, Demolidor, etc]. Miller não parece ter muitos pudores em relação ao que Mestra chama de auto-plágio.
E aquelas frases de efeito? Foi só eu que achei um pouco cansativas? Para aqueles que, como eu, viram os trailers de 300 e ficaram preocupados, eu trago palavras de conforto: Não se preocupem! O Rei Leonidas, personagem de Gerald Butler, não fica o tempo todo gritando e fazendo pose de macho durante a pelicula! Ele é mala? É inegável. Ele tira onda? É claro que tira - eu não acabei de falar que ele é mala? Mas, ao contrário do que o trailer dá a entender, Leonidas é capaz de dialogar sem recorrer a frases de efeito berradas e cheias de cuspe.
Alias, é essa pose de fodão um dos buracos mais desagradáveis do roteiro. Toda aquela guerra, e aquela matança, e aquela tensão, e pra que? Pros Espartanos poderem ficar andando por aí de sunguinha tirando onda sobre como eles são mais machos do que os atenienses. Sim, porque se você assistir o filme com bastante atenção, você vai reparar que em nenhum momento Leônidas vai dar um motivo melhor pra ter se metido naquela guerra de 300 x 1.000.000 do que ser teimoso e falastrão. Se você consegue olhar atráves daquela fantasia de Vera Verão que Xerxes (Rodrigo Santoro) usa, você vai reparar que os argumentos do persa são muito mais razoáveis do que os de Leônidas - que, pra ser bem honesto, nem se dar ao trabalho de usar propriamente um argumento. Parece que, pro Rei de Esparta, é mais importante mostrar que é um guerreiro muito foda do que salvar o seu país de ser escravizado pelos persas. E veja bem que eu nem estou falando sobre as imprecisões e falhas históricas. Eu não acho que a falta de fidelidade aos fatos reais seja uma falha do filme; pelo contrário, é um dos seus charmes. [Acho essa coisa de fazer filmes pretensamente realistas, que depõem personagens históricos das suas condições de mitos (como Alexandre ou Rei Arthur fizeram), bem, acho isso bem sem graça. ] Mas eu realmente espero que um personagem tenha motivações razoáveis, ou, se nenhuma motivação sensata se apresentar - afinal nem sempre os seres humanos são lá muito razoáveis - que pelo menos o roteirista possa me apresentar um personagem com motivações um pouco mais críveis.
Nota final: 7,0. Não é uma obra prima, mas é um filme divertido, como um filme de ação precisa ser.

Monalisa, de Leonardo da Vinci

Da série "Porque pagar sapo também é cultura!"

Bom, vocês sabem o que dizem sobre "qualquer semelhança" e coincidências... Felizmente, eu ouvi falar que o autor dessa aí já morreu a algum tempo, então acho que eu posso ficar tranqüilo quanto a essa coisa toda de direitos autorais.


11 novembro 2006

O Grande Truque

The Prestige(2006), o mais novo filme do diretor Chris Nolan (Amnésia, Batman Begins), é baseado em um livro homônimo de Christopher Priest e conta a história de dois ilusionistas rivais da Inglaterra vitoriana. Esse é um período histórico que eu particularmente acho muito interessante. A ciência moderna estava no seu auge, e parecia que não havia mistérios ou problemas que o homem não pudesse resolver, desde que fosse razóavel, metódico e científico. Por outro lado, havia um grande interesse pelo oculto e pelo misticismo, e uma boa dose de superstição fazia parte da vida do homem comum. Essas características contraditórias do homem moderno - a confiança na razão e o fascínio pelo místico - permeiam toda a película.
O filme é uma história muito inteligente e bem contada sobre rivalidade e sobre obssessão. Os dois antagonistas, Robert Angier e Alfred Borden, se vêem envolvidos num ciclo ascendente de rivalidade e ressentimento mútuo. O curioso é que o objetivo dos dois não é - pelo menos a principio - nada tão simples como a mera destruição do rival. Mais do que se matar, os dois querem superar um ao outro, desvendando os truques e sobrepujando as performances um do outro.
[Muito significativa a este respeito é a cena em que Angier, que havia ido ao teatro onde Borden estava se apresentado pretendendo com a óbvia intenção de agredí-lo e constrangê-lo na frente da platéia, mas desiste depois de assistir a apresentação do colega, obcecado com a ídeia de desvendar e superar o Grande Truque do rival.]
Em comum, os dois protagonistas dividem o ressentimento mútuo e o amor à arte. O que motiva cada um, no entanto, são aspectos diferentes e complementares do seu ofício. Para Angier (Hugh Jackman), o que é importante é o espetáculo, a reação da platéia, o resultado da performance. Para Borden (Chritian Bale), é a técnica que importa - e os sacrifícios que ela exige, o esforço que é necessário para chegar a este resultado. Assim, as técnicas de cada um são complementares, e o filme aborda isso muito bem: enquanto Angier é um artista mais habilidoso, sabendo como manipular e encantar o público, Borden é um ilusionista mais competente e determinado. Um é um artista que compensa sua mediocridade técnica com um espetáculo; outro é um especialista técnico, negligente com o lado performático que o ilusionismo exige.
A história é contada com habilidade, e o público acompanha paralelamente três momentos diferentes. O filme começa, na verdade, pelo fim da narrativa, e a medida em que um personagem lê o diario de outro, vamos descobrindo, atráves de flashbacks, o que aconteceu antes, e como a história chegou até aquele ponto.
Um dos pontos fracos do filme, no entanto, tem a ver com a reviravolta final - justamente com the prestige, usando o vocabulário introduzido pelos personagens. O problema é que, na minha humilde opinião, o filme dá muitas pistas a respeito dessa surpresa final, ou talvez demore demais para finalmente revelar o enigma ao público. De qualquer modo, é possível desvendar o mistério muito cedo, e eles subestimam a inteligência do espectador guardando a revelação até o último momento do filme. De fato, o final do filme chega a ser anti-climático, com direito a discursos longo e redundantes sobre as motivações de certos personagens, e explicações desnecessárias a respeito dos truques dos protagonistas.
Felizmente, ao contrário de tantos outros filmes que andam sendo produzidos por aí, o mérito do filme não depende desse final surpreendente. The Prestige continua sendo um bom filme, mesmo se você decifre o enigma antes do fim, graças às excelentes atuações e à abordagem inteligente e criativa sobre rivalidade e obssessão. No geral, vale um sólido 9. Não é o melhor filme de Chris Nolan, mas certamente vale o ingresso.

10 novembro 2006

O Grito, de Edward Munch

Porque pagar sapo também é cultura!

Uma humilde homenagem. Espero que ninguém se sinta ofendido pelas minhas pobres habilidades como desenhista...

12 setembro 2006

Gotham Adventures

Uma aula de como escrever revistinhas de herói


Para começo de conversa, não confundam a revista Gotham Adventures, já referida, com o título regular da DC Comics, Gotham Knights. Enquanto a G.K. é uma série mensal publicada até hoje – e já está chegando ao número cem -, a “Gotham Adventures” foi uma publicação de sessenta números, e não é de forma alguma relacionada à cronologia da DC. De fato, a série é baseada no desenho animado da Warner, “Batman, The Animated Series”, compartilhando até mesmo o time criativo responsável por essa animação de tanto sucesso.
Tudo isso dito, vamos ao essencial: Gotham Adventures é ótimo. É, exatamente, ótimo. Maravilhoso. Muito bom mesmo. Em resumo, uma experiência fantástica para qualquer fã do Batman.

Primeiro, vale dizer que as influências da série animada estão lá, é claro. O desenho é uma reprodução da animação, com seus traços simples e marcantes; alguns leitores podem estranhar, a princípio, toda essa simplicidade, essa tendência ao infantil – mas não se enganem. Os roteiros da série, embora nunca possam ser definidos como inapropriados para crianças, carregam conteúdo que agradam mesmo os mais velhos e exigentes fãs. Aliás, a força de Gotham Adventures está no roteiro: suas tramas são interessantes e surpreendentemente inteligentes, e, mais importante, todas as personagens do universo Batman são retratadas magistralmente – em especial o nosso grande herói. Além disso, a simplicidade de traço, uma variação de estilo, é complementada por excelentes construções de cena, um visual quase cinematográfico, e nenhum prejuízo em termos de compreensão. De fato, a arte discreta nos mantém focados na história, e não deve ser subestimada; compõe belos momentos e quadros, que não são de menos valor simplesmente por seu minimalismo. Aliás, agradam muito mais do os inúmeros artistas que insistem em páginas poluídas e pouco claras que vemos por aí.

Não é que os sessenta números sejam absolutamente perfeitos, mas é quase isso. Procure por drama, humor, ação, bons diálogos... está tudo lá. E isso, vale dizer, em uma revistinha que abraça completamente a idéia da Bat-família, já que grande parte das histórias envolve a participação de Asa Nturna, Batgirl, Robin e, é claro, um impagável e muito bem caracterizado Alfred. No entanto, aquilo que costuma estragar a maioria das revistas – a interação forçada do sombrio Batman com pirralhos engraçadinhos – aqui funciona às mil maravilhas. A presença da molecada é o que dá espaço para mostrar uma das grandes coisas a respeito do Batman: sua humanidade em conflito com a dureza a que ele se obriga, tudo em nome da “cruzada”. Assim, fica muitas vezes explícito o Batman que é incapaz de lidar com sentimentos normais e humanos – ele costuma colocar-se acima disso -, enquanto demonstra a qualidade que o torna o mais cativante dos heróis: a sua infinita empatia e solidariedade pelo sofrimento humano em geral.
Análises psicológicas à parte, “Gotham Adventures” demonstra com maestria que os companheiros infanto-juvenis de Batman podem sim ter seu lugar, sem descaracterizar o Cavaleiro das Trevas. Há inclusive histórias solo destes membros da Bat-família, e elas não decepcionam. De todos, porém, quem mais brilha é o quase esquecido Asa Noturna, aqui novamente sob a luz, e mostrado sob uma visão coerente e agradável. Robin e Batgirl cumprem bem o seu papel, e o menino prodígio é o responsável pelos comentários engraçadinhos e tiradas espertinhas – mas tudo dentro da razoabilidade, e jamais apelando para “santa chatísse, Batman!” – embora exista uma referência bastante engraçada no número 11, em uma frase de Nightwing.

Sim, é claro que há momentos menos brilhantes e que podem tender ao absurdo, mas são raros. E, quase sempre, consertados alguns quadrinhos à frente com uma solução muito boa e uma conclusão inteligente. Gotham Adventures é ainda mais interessante por trazer elementos que as revistinhas regulares parecem encarar apenas de duas formas: ou descartando completamente, porque interferem com a visão sombria do Cavaleiro das Trevas, ou descritos de forma infantil e ridícula, incoerente e insatisfatória. Assim é a Bat-família na maioria dos títulos, transitando entre o inútil e o irritante, montes de personagens deslocadas; ou, se não, é o próprio Batman quem é mostrado de forma diferente, alegre e bem-resolvido, totalmente fora de sua caracterização mais popular e bem feita. E aí mora um dos grandes méritos desta série, que foi capaz de combinar muito bem o Batman sombrio e obcecado ao grupo de seguidores que têm cérebro e que de fato acrescentam algo ao serviço de vigilante de Bruce Wayne.

Não podemos deixar de citar os vilões, maravilhosamente retratados, não apenas pelas felizes interpretações de suas características bizarras – e sempre tendendo à faceta mais humana -, mas também por colocá-los em situações plausíveis e em consonância às suas habilidades. Mais do que isso, Gotham Adventures enfoca, em várias edições, situações que não envolvem os clássicos oponentes do Batman, e sim outros problemas igualmente interessantes e relevantes, que não necessariamente envolvem os loucos de Arkham. Mais uma lição para os títulos regulares: nem sempre os grandes vilões precisam estar por trás de tudo...

Enfim, “Gotham Adventures” é uma experiência cativante, e tem um último e raro mérito: consegue manter a alta qualidade por sessenta números, alternando momentos apenas bons com números muito interessantes, mas nunca caindo na mediocridade. Existe alguma continuidade entre as revistas, mas a maioria, senão todas, podem ser lidas separadamente. Cada número é uma leitura válida, alguns mais do que outros, é lógico. Mas, no geral, “Gotham Adventures” merece aplausos, e deveria ser um exemplo de como tratar com respeito e qualidade os heróis de quadrinhos.

Alguns números memoráveis (se você não quer ou não pode ler as sessenta edições):

- Os números 1 e 60, estrelando o Coringa, histórias geniais sobre a interação do Batman com seu arquiinimigo. A primeira história, “With a price on his head” (algo como “Com um preço por sua cabeça”), mostra uma situação inusitada, onde um milionário que teve seu filho assassinado pelo Coringa propõe na televisão um preço pela cabeça do palhaço. Isso, é claro, coloca Batman na curiosa posição de guardião do Coringa... Já a número sessenta, a despedida desta série, é um conto muito interessante no qual o Coringa (referência à “Piada Mortal”) seqüestra o Comissário Gordon para torturá-lo. Uma boa história onde o Batman se vê encarando o conceito de família e culpa, além de termos um curioso e melancólico discurso do Coringa sobre sua relação com o Batman. É intitulada “Leaves” (aproximadamente “Deixar”, aqui no sentido de superar).

- Duas-Caras brilha nos números 2 e 12 em histórias com argumentos originais e curiosos. Na número 2, vemos Harvey Dent sabotando a entrega de um prêmio de loteria, e por razões muito... pessoais. “Lucky Day” (Dia de sorte) é o título desta boa revista. Já a número 12, “Never an Option” (Nunca uma opção), mostra o vilão agindo como um justiceiro, e a explicação também é uma revelação curiosa. Porém, mais interessante é como este número discute a tendência autodestrutiva de Duas-Caras, e como Batman encara este vilão que, no passado, foi um grande amigo.
- A Mulher-Gato aparece relativamente pouco nesta série, mas esteja certo de que suas aparições geram sempre ótimas histórias. A edição número 4, “Claws” (Garras), é basicamente centrada no ponto de vista de Selina Kyle, mostrando com muito primor o conflito que faz da Mulher-Gato uma personagem difícil de ser classificada como vilã, mas certamente demonstra que ela não é uma heroína... Além, é claro, de nos mostrar a difícil relação que existe entre Batman e Mulher-Gato, sempre romântica e tensa. Este último tema retorna na edição 50, uma bela história, agora sob o ponto de vista do Batman, a respeito das dificuldades que o próprio Cavaleiro das Trevas tem para lidar com seus sentimentos em relação à Selina Kyle. “Second Timers” (acho que é meio intraduzível, aceito sugestões... “Segundas Chances” não é um mau título, penso eu) é o nome deste conto romântico, uma boa visão sobre o personagem do Batman e sua rigidez moral. Além dos números já citados, Mulher-Gato também aparece no 24, “Missed Conections” (Conexões Perdidas), uma das mais hilárias histórias, e a única, talvez, onde o Batman comete um erro de interpretação.

- Há belas histórias que não são estreladas por vilões, como já foi dito. A número 6, “Last Chance” (Última Chance), é a história do assassinato de Boston Brand , trapezista e amigo de Dick Grayson. No entanto, a trama se passa sob o ponto de vista de Brand, mesmo quando ele já está morto... [Nota do Editor:Boston Brand é o herói/fantasma conhecido como Desafiador
("Deadman", no original)] Há também “A Tale of Joe”, número 41, uma divertida história sobre um avoado rapaz chamado Joe, cujo caminho cruza com o de Batman um bom número de vezes. Aqui vemos como, para o Cavaleiro das Trevas, nenhum problema é pequeno demais, e nenhuma vida pode ser ignorada. Além disso, uma menção honrosa deve ser feita à excelente e engraçada número 16, “Captive Audience” (Audiência Cativa), onde vemos Alfred lidar com seu próprio seqüestro.

- Também muito interessantes são os números 33, 44, e 48. Todas estas histórias são uma investigação sobre as motivações de Batman, uma breve olhada na psique e sentimentos do herói que, afinal, é também um homem. A revista 33, sugestivamente intitulada “World Without Batman” (Mundo sem Batman), é uma viagem sobrenatural que o herói faz a um mundo no qual seus pais não foram assassinados, e ele não se tornou Batman. Será que você pode imaginar o que aconteceu? A número 44, por sua vez, desenvolve a trama de uma perseguição de Batman ao Duas-Caras. A originalidade está no fato de que, no começo da história, Batman abandona um Nightwing à beira da morte, deixando-o aos cuidados de um apavorado Robin. O resto da revista examina a culpa do herói, e como seus companheiros encaram a escolha de seu mentor. O título deste número é “Choices” (Escolhas). O número 48, por sua vez, é talvez a mais sentimental de todas as histórias contadas em “Gotham Adventures”. Chamada “Actions” (Ações), vemos que nosso herói durão também tem formas de demonstrar sentimentos – e é cheio deles...

Muitas são as histórias que merecem ser lidas, e há edições muito interessantes sobre o Charada, o Cara de Barro, ou até sobre o Crocodilo. Para não falar nas histórias estreladas apenas por Robin, ou Batgirl, ou mesmo Nightwing. Todos eles têm seu momento para brilhar, em tramas realmente boas. Enfim, há opções para todos os gostos, e os sessenta números cobrem mais possibilidades do que se imagina. Pois assim é a série “Gotham Adventures”: uma excelente descoberta.




[Resenha gentilmente escrita por Mestra]

18 agosto 2006

Crise Infinita

[Nota do Editor: Crítica gentilmente escrita pela Mestra. Anseio pelo dia em que ela aprenderá a postar seus próprios textos...]


Behold, mortal creatures! DC Comics trará para vocês, nos próximos meses, sua nova e revolucionária saga, já publicada nos EUA, e agora chegando ao Brasil.

Prepare-se para uma experiência desagradável.

Para falar sobre Crises Infinitas, é necessário lembrar a "Crise nas Infinitas Terras", saga que é bastante superestimada. A primeira crise - a das infinitas Terras - foi uma jogada brilhante no sentido de que a DC encontrou uma forma de, a um só tempo, fazer uma série gigantesca com uma história interessante, e "limpar" sua storyline, tornando-o coerente e livre de incongruências temporais e lógicas tão comuns no Universo Marvel. Continuidade sempre foi a palavra de ordem na DC, e isso é algo a ser louvado.

No entanto, Crise nas Infinitas Terras é, como já disse, superestimada. Em si, a saga é uma farofa de realidades e heróis, além de ser um dos últimos resquícios de coisas bastante idiotas que o Universo DC abrigava - heróis desimportantes e imbecis, animais fantasiados, vilões estúpidos, e todas as coisas que remetem aos "Superamigos". Há de se considerar que era inevitável a presença disso tudo; afinal, foram os momentos finais de vida para muitos deles... e despediram-se em grande estilo. Ótimo. Ao final da primeira Crise, acho que o saldo foi bastante positivo, colocando a DC em posição mais confortável e os leitores mais felizes.

Porém, ao longo dos anos pós-Crise, vimos a DC vagar um pouco perdida em sua obsessão por continuidade. Era difícil para os autores de fato revolucionarem os heróis, tendo em vista que tudo seria permante e trabalhoso de desfazer. Foi o que vimos, por exemplo, com a Morte do Super Homem ou a Queda do Morcego. Coisas tão radicais, que foram eventualmente desfeitas - ao longo de muitas edições e explicações, mérito para a DC -, mas que deixaram um pouco a desejar em termo de impacto. Na DC, as coisas acabavam e terminavam, e sempre pareceu que os heróis retornavam à estaca zero; poucos heróis ou vilões destas duas sagas citadas, por exemplo, conseguiram emergir para a luz.

Também estavamos vendo, nos últimos anos, a DC ressucitar heróis mortos a valer (Arqueiro Verde e Hal Jordan, só para citar alguns), e a editora já não estava resistindo a tentação de trazer de volta algumas peças anacrônicas, como Krypto o cão, Supergirl, Superboy, Batgirl, versões mirins dos heróis mais velhos... enfim, todas estas figuras estavam ficando mais e mais presentes. Aparentemente, há, sim, publico para elas. Isso fazia pensar: se houve tanto trabalho para fazer uma super Crise nas Infinitas Terras, porque a DC se arrisca novamente a cair no universo do absurdo?

E então, temos as Crises Infinitas.

Posso contar? Eu vou. Crises Infinitas é a verdadeira prova de que ninguém está a salvo de escritores que amam revistinhas dos anos setenta e suas historinhas felizes e coloridas. Sim, com bebês e animais, e o american way of life.

Não há tanto disso na saga em si, mas é o prenúncio do que serão os novos anos para os heróis DC. Afinal, eles radicalizaram, e criaram uma grande escola de samba nestas sete edições, onde todo mundo bate e apanha, onde se mistura alienígenas, remanescentes das Terras destruídas na primeira Crise, computadores loucos, mortes de alguns heróis menos importantes, e a Trindade (Superman, Mulher Maravilha e Batman) passando por mudanças que não serão do agrado de seus maiores fãs, creio eu.

O samba do criolo doido está, essencialmente, no fato de que as tramas principais da história quase não se misturam. Você tem um ramo da saga, o Projeto O.M.A.C., que é resolvido pelo Batman ( vale dizer que a idéia deste aqui é interessante, até; se a saga se limitasse a isso, poderia ser realmente boa); e o outro lado, que acaba sendo o mais relevante, concentra-se no Super Homem (Desespere-se! Há mais de um Super, mais de um Superboy, ou seja, há coisas demais envolvendo o último filho de Krypton para que a história seja boa). Mais do que isso, grande parte da história envolve os remanscentes da "Crise nas Infinitas Terras", e, se você é fã da velha saga, não vai apreciar saber que eles não são exatamente os heróis da história...

Não vou entar em detalhes a respeito da trama - não que exista uma grande surpresa, mas não gostaria de ser desmancha prazeres. Basta dizer que, desta vez, nem tudo termina ficando extamente como começou. No entanto, enquanto a primeira Crise renovou o Universo DC, aqui não temos uma grande renovação. Temos algumas mudanças força barra, e, a meu ver, a DC agora caminha para um futuro perigoso. Se seus heróis primavam, deste o fim de Crise nas Infinitas Terras, por terem sempre um "dark side", por sua humanidade, por seus conflitos ideológicos e psicológicos, agora a DC dá dicas de que as coisas ficarão... menos profundas. Mais amizade, um mundo mais feliz e colorido, com animais e bebês. A DC agora vai investir no amor, em heróis com menos visibilidade, e, na verdade, parece que o pessoal da velha guarda terá mais espaço (o primeiro Flash, o Capitão Marvel e até aquele porra daquele Lanterna Verde colorido).

Finalmente, não é necessário afligir-se; a Trindade permanece, muito embora um salto de tempo seja feito após essa Crise. Um ano se passa na vida de todo mundo, e o que aconteceu neste tempo será muito explorado em minisséries e flashbacks nos anos que virão. Além disso, não se surpreenda com a presença de bebês e animais. Porém, é este um ano que servirá para transformar a Trindade (os três passam este um ano fora de serviço, fazendo sei lá o que; talvez abusando sexualmente de seus discípulos mirins e coloridos), e também para aumentar a relevância de heróis menos importantes. Afinal, o mundo teve que se virar sem eles, o que deve gerar muitos heróis desinteressantes e coloridos, sejam novos ou tirados do fundo do baú. E tremam: Batman, Super Homem, e Mulher Maravilha devem voltar mais "bem resolvidos", contentes, e fãs do american way of life.

Acho que não se dá zero para uma minissérie como essa, especialmente quando já se viu piores (eu tenho visto). Então, forçando a barra, uma nota dois. Sério mesmo, nem os diálogos do Batman se salvam nessa "Crises Infinitas"; mas é verdade que o título descreve bem o futuro que aguarda os leitores dos heróis DC. Uma infeliz crise, sem previsão para acabar.