O Sapo Cultural

Sapo Cultural: substantivo masculino 1) Bronca ou sermão de conteúdo ou natureza cultural; 2) Discurso desnecessáriamente longo (e com freqüência desagradável) que tem como objetivo aumentar a cultura, mesmo a contragosto, dos ouvintes.

18 agosto 2006

Crise Infinita

[Nota do Editor: Crítica gentilmente escrita pela Mestra. Anseio pelo dia em que ela aprenderá a postar seus próprios textos...]


Behold, mortal creatures! DC Comics trará para vocês, nos próximos meses, sua nova e revolucionária saga, já publicada nos EUA, e agora chegando ao Brasil.

Prepare-se para uma experiência desagradável.

Para falar sobre Crises Infinitas, é necessário lembrar a "Crise nas Infinitas Terras", saga que é bastante superestimada. A primeira crise - a das infinitas Terras - foi uma jogada brilhante no sentido de que a DC encontrou uma forma de, a um só tempo, fazer uma série gigantesca com uma história interessante, e "limpar" sua storyline, tornando-o coerente e livre de incongruências temporais e lógicas tão comuns no Universo Marvel. Continuidade sempre foi a palavra de ordem na DC, e isso é algo a ser louvado.

No entanto, Crise nas Infinitas Terras é, como já disse, superestimada. Em si, a saga é uma farofa de realidades e heróis, além de ser um dos últimos resquícios de coisas bastante idiotas que o Universo DC abrigava - heróis desimportantes e imbecis, animais fantasiados, vilões estúpidos, e todas as coisas que remetem aos "Superamigos". Há de se considerar que era inevitável a presença disso tudo; afinal, foram os momentos finais de vida para muitos deles... e despediram-se em grande estilo. Ótimo. Ao final da primeira Crise, acho que o saldo foi bastante positivo, colocando a DC em posição mais confortável e os leitores mais felizes.

Porém, ao longo dos anos pós-Crise, vimos a DC vagar um pouco perdida em sua obsessão por continuidade. Era difícil para os autores de fato revolucionarem os heróis, tendo em vista que tudo seria permante e trabalhoso de desfazer. Foi o que vimos, por exemplo, com a Morte do Super Homem ou a Queda do Morcego. Coisas tão radicais, que foram eventualmente desfeitas - ao longo de muitas edições e explicações, mérito para a DC -, mas que deixaram um pouco a desejar em termo de impacto. Na DC, as coisas acabavam e terminavam, e sempre pareceu que os heróis retornavam à estaca zero; poucos heróis ou vilões destas duas sagas citadas, por exemplo, conseguiram emergir para a luz.

Também estavamos vendo, nos últimos anos, a DC ressucitar heróis mortos a valer (Arqueiro Verde e Hal Jordan, só para citar alguns), e a editora já não estava resistindo a tentação de trazer de volta algumas peças anacrônicas, como Krypto o cão, Supergirl, Superboy, Batgirl, versões mirins dos heróis mais velhos... enfim, todas estas figuras estavam ficando mais e mais presentes. Aparentemente, há, sim, publico para elas. Isso fazia pensar: se houve tanto trabalho para fazer uma super Crise nas Infinitas Terras, porque a DC se arrisca novamente a cair no universo do absurdo?

E então, temos as Crises Infinitas.

Posso contar? Eu vou. Crises Infinitas é a verdadeira prova de que ninguém está a salvo de escritores que amam revistinhas dos anos setenta e suas historinhas felizes e coloridas. Sim, com bebês e animais, e o american way of life.

Não há tanto disso na saga em si, mas é o prenúncio do que serão os novos anos para os heróis DC. Afinal, eles radicalizaram, e criaram uma grande escola de samba nestas sete edições, onde todo mundo bate e apanha, onde se mistura alienígenas, remanescentes das Terras destruídas na primeira Crise, computadores loucos, mortes de alguns heróis menos importantes, e a Trindade (Superman, Mulher Maravilha e Batman) passando por mudanças que não serão do agrado de seus maiores fãs, creio eu.

O samba do criolo doido está, essencialmente, no fato de que as tramas principais da história quase não se misturam. Você tem um ramo da saga, o Projeto O.M.A.C., que é resolvido pelo Batman ( vale dizer que a idéia deste aqui é interessante, até; se a saga se limitasse a isso, poderia ser realmente boa); e o outro lado, que acaba sendo o mais relevante, concentra-se no Super Homem (Desespere-se! Há mais de um Super, mais de um Superboy, ou seja, há coisas demais envolvendo o último filho de Krypton para que a história seja boa). Mais do que isso, grande parte da história envolve os remanscentes da "Crise nas Infinitas Terras", e, se você é fã da velha saga, não vai apreciar saber que eles não são exatamente os heróis da história...

Não vou entar em detalhes a respeito da trama - não que exista uma grande surpresa, mas não gostaria de ser desmancha prazeres. Basta dizer que, desta vez, nem tudo termina ficando extamente como começou. No entanto, enquanto a primeira Crise renovou o Universo DC, aqui não temos uma grande renovação. Temos algumas mudanças força barra, e, a meu ver, a DC agora caminha para um futuro perigoso. Se seus heróis primavam, deste o fim de Crise nas Infinitas Terras, por terem sempre um "dark side", por sua humanidade, por seus conflitos ideológicos e psicológicos, agora a DC dá dicas de que as coisas ficarão... menos profundas. Mais amizade, um mundo mais feliz e colorido, com animais e bebês. A DC agora vai investir no amor, em heróis com menos visibilidade, e, na verdade, parece que o pessoal da velha guarda terá mais espaço (o primeiro Flash, o Capitão Marvel e até aquele porra daquele Lanterna Verde colorido).

Finalmente, não é necessário afligir-se; a Trindade permanece, muito embora um salto de tempo seja feito após essa Crise. Um ano se passa na vida de todo mundo, e o que aconteceu neste tempo será muito explorado em minisséries e flashbacks nos anos que virão. Além disso, não se surpreenda com a presença de bebês e animais. Porém, é este um ano que servirá para transformar a Trindade (os três passam este um ano fora de serviço, fazendo sei lá o que; talvez abusando sexualmente de seus discípulos mirins e coloridos), e também para aumentar a relevância de heróis menos importantes. Afinal, o mundo teve que se virar sem eles, o que deve gerar muitos heróis desinteressantes e coloridos, sejam novos ou tirados do fundo do baú. E tremam: Batman, Super Homem, e Mulher Maravilha devem voltar mais "bem resolvidos", contentes, e fãs do american way of life.

Acho que não se dá zero para uma minissérie como essa, especialmente quando já se viu piores (eu tenho visto). Então, forçando a barra, uma nota dois. Sério mesmo, nem os diálogos do Batman se salvam nessa "Crises Infinitas"; mas é verdade que o título descreve bem o futuro que aguarda os leitores dos heróis DC. Uma infeliz crise, sem previsão para acabar.